Equipe: Fernanda Leão, Mayra Freire, Mariana Maracajá e Priscila Galvão
Tema do projeto: A elaboração do luto antecipatório pelos familiares de crianças com câncer
Artigo: Maia,F.A.S. (2005).Cancer e morte.O impacto sobre o paciente e a familia.Trabalho de conclusão do curso de especialização em psiconcologia, Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR, Brasil.
Resumo:
O diagnóstico do câncer causa grande impacto para a pessoa que o recebe e para a sua família, e introduz desafios constantes para a equipe de profissionais que irá atendê-lo. A equipe de saúde acostumada a essa realidade, em geral, não dimensiona adequadamente a avalanche de sentimentos e medos que perpassam pelo paciente e sua família, contribuindo assim, com o aumento de desespero e sentimento de fragilidade humana desse momento.
Habitualmente, existe uma certa negligência social diante de famílias que convivem com a incerteza em face da tragédia - o diagnóstico de que um membro seu tem câncer. O diagnóstico do câncer ou a simples possibilidade de sua confirmação, que passa a ser sentida como a morte ameaçada, rompe o equilíbrio individual e familiar. A família de um paciente de câncer tem sido vista como um agente importante nos cuidados necessários a esse paciente, devendo ser assistida cuidadosamente pela equipe de saúde. Assim, tendo a compreensão sistêmica do câncer e da morte e dos seus impactos, percebemos a importância de orientar e auxiliar pacientes e famílias, na vigência dos mesmos, ou mesmo após, para que consigam realizar as mudanças necessárias, sentindo-se apoiados, acolhidos e cuidados, no seu mais amplo sentido.
O surgimento do câncer em qualquer família é sempre uma catástrofe. Em geral, a morte de uma pessoa idosa, por câncer, é mais bem tolerada do que se a doença aparece em outra pessoa do mesmo grupo familiar, porém mais jovem. O paciente jovem tem qualidades especiais que os pacientes adultos não tem. Sua crença é de que o câncer não é sinônimo de morte. Para a maioria dos pacientes jovens o câncer é uma doença, e uma pessoa doente, desde que se trate, fica boa logo. Isso ocorre porque a grande maioria desses pacientes quase não teve contato direto com doenças graves, oque os libera de crenças pessimistas e possibilita que vejam a doença como enfermidade temporária, ou como um obstáculo a ser vencido. Esse otimismo pode, entretanto, ser “contaminado” pelos adultos que lhe passam seu próprio medo do câncer, devendo portanto os familiares em geral se trabalharem internamente para que possam construir um relacionamento aberto e saudável com o parente enfermo.
Todos desejam uma morte serena. O câncer, ao contrário de outras doenças, proporciona ao paciente muito tempo de preparação para a morte.Esta preparação pode ocorrer de diversas formas e vivenciada, diferentemente, por cada um podendo ser confortadora ou provocar desespero e inquietude. As pessoas utilizam estratégias diversas para se preparas, a saber, preparar testamentos, organizar o funeral e o enterro, autorizar por documentos o médico a desligar os aparelhos quando não há mais possibilidades de reversão do quadro, entre outras.A importância está na capacidade do paciente de morrer com dignidade, dependendo do grau de participação, autonomia e capacidade de escolher a própria morte.A família pode ajudar neste processo, evitando aquilo que não esteja de acordo com seus desejos e/ ou que lhe cause desconforto.A possibilidade da mortalidade gera para o paciente e a família uma ressignificação da vida, em todo o processo, os profissionais de saúde possuem responsabilidade na facilitação deste.
O processo cultural e social que nega a morte, afeta não apenas o tratamento, mas o paciente e a família. Os vários especialista para lidar com a morte, hospitais próprios para tratar o câncer, agentes funerários que cuidam do enterro, e todos que estão intermediando esta relação com a morte, mantém a família distanciada do membro que está morrendo.Isto está relacionado a própria incapacidade da família de lidar com a realidade da morte e visa manter a tensão emocional baixa e o equilíbrio estabilizado.A conseqüência deste contexto é que incapacita os familiares para lidar de maneira adequada com o estresse da perda e dificulta o processo de luto.
Assim como a morte o câncer também é assunto-tabu, em vista do estigma social e individual que a doença possui. Muitas pessoas morrem sozinhas, presas por sentimentos e pensamento que não conseguem comunicar a família. O câncer suscita vários tipos de medo da morte: da morte com dor, da morte com alívio, da morte em fantasia, da morte dos sonhos da vida, da morte que provoca rupturas, da morte como erro e fracasso do médico, da morte como fracasso dos recursos tecnológicos, da morte ameaçada e avisada. A incidência de um dos tipos de medo da morte, depende da característica individual de cada membro do sistema, da sua história, das suas crenças a respeito da morte e da dinâmica existente na família no momento da demanda desencadeada pela doença.
Existe um consenso entre os autores de que o luto normal deve durar, em média, dois anos.No entanto, pode durar anos pois as datas especiais, como aniversário do falecido ou eventos que lembrem a pessoa morta, suscitam a reviver a sensação da perda.Normalmente, em um momento a família aceita a perda, embora alguns autores considerarem que o luto nunca se encerra, apenas a dor se torna menos crua e intensa com o tempo.
Quando as famílias não realizam o luto adequadamente, elas possuem dificuldade em seguir com a rotina. Os membros da família podem culpar a si mesmo ou uns aos outros, utilizar alguém como substituto da pessoa perdida ou se abster de experimentar novamente proximidade com outras pessoas. Não é a morte em si que é problemática, mas a mistificação desta. Uma perda pode ser suportada, desde que os membros familiares a aceitem e reestruturem seu relacionamento.
Quando o luto é bloqueado pode ocorrer diversos processos:
a) Os relacionamentos se tornam rígidos, a família se fecha, demonstrando total incapacidade de se apegar a outros, é um meio de lidar com seus temores de perdas futuras, nega-se a possibilidade de fazer mudanças pós-morte.
b) O tempo pára para as famílias, seja em sonhos do passado, nas emoções do presente ou no medo do futuro. Geralmente os que abreviam seu luto, se precipitando em outro relacionamento, descobrem que, quando os sonhos cedem lugar às realidades da nova relação, a dor volta para assombrá-los. Os problemas que as famílias têm em outras transições evolutivas, como o casamento, a transição para a paternidade ou a saída dos filhos de casa, muitas vezes refletem essa parada no tempo.
c) Os sentimentos são bloqueados pelas varias maneiras de negação, ou fuga em atividades frenéticas, por exemplo, drogas, álcool, fantasias e mitos. Os mitos, segredos e expectativas que se desenvolvem em torno de uma perda crítica podem ser incorporados nas regras da família são passados de pai para filho. Certas famílias não fazer menção ao morto, como se pudessem assim banir a dor.
Muitos padrões de comportamentos apresentados nas famílias - casos amorosos, conflitos não resolvidos, alienação, isolamento, medo de estranhos, divórcios freqüentes, depressão, sobrecarga de trabalho- pode ser reflexo da incapacidade de se apegar a outra pessoa por medo de sofrer perdas.
A criação de mitos para evitar a realidade da perda, unem a família de forma patológica e criam conflitos psicológicos entre os membros, visto que, as respostas são ligadas a delírios e não à pessoa real.As crianças geralmente são afetadas, pois tornam-se substitutos das pessoas perdidas, e apesar de desconhecerem esta conexão isto gera problemas emocionais, elas são fantasmas insepultos do passado. É muito importante que as famílias sejam ajudadas através dos rituais que ajudam na elaboração do luto e do reconhecimento desta realidade da morte. Se as famílias sub-ritualizam sua perda, pode em momento posterior, realizar sua ritualização terapêutica, para que consigam elaborar seu luto e seguir em frente ,fortalecida e livre de mistificações que impediriam a adaptação das gerações posteriores. Os membros da família podem despertar para uma disposição que se reconciliem com uma experiência de perda e se conscientizem que muitos problemas manifestos, aparentemente não fazem parte do rdos problemas associados a morte, são ligados a um luto que não foi resolvido. Por exemplo, dificuldades de aprendizagem nas crianças, falta de atenção na escola e distanciamento social, suicídios ou tentativas, dificuldades em permitir ou fazer afastamentos da família nas transições para outras fases do ciclo de vida(casamento, saída dos filhos de casa, etc.).
A super-ritualização também pode inibir a evolução familiar, aprisionando os familiares e impedindo que se assumam novos compromissos.Como exemplo, a transformação do quarto de um filho em memorial, a dificuldade de se desfazer de objetos e coisas do morto, visitas repetidas compulsivamente ao cemitério, etc.
As questões de gênero estão envolvidas no processo de luto, pois culturalmente, as mulheres podem expressar abertamente sua dor e sofrimento, enquanto os homens evitam e negam seu sofrimento por medo de perder o controle e se refugiam no trabalho, por exemplo.As mulheres sintetizam a dor e as lagrimas da família – luto desviado – muito comum na nossa sociedade, e assim se isolam, pois fazer o luto sozinho aumenta ainda mais a dor.
Estudos - Wortman e Silver (1989) - concluem que sabemos muito menos a respeito do que constitui um luto saudável, normal e do quanto este é “necessário” ou “apropriado” para resolver uma perda. O sofrimento é uma questão muito particular e não deve ser julgado apriori como os
outros fazem seus lutos, se eles devem ser mais ou menos expressivos. Cada família e cada pessoa encontra seu próprio meio de lidar com a perda. Além disso, os estudos apontam que há muitos mitos quanto ao luto tido como saudável. Famílias diferentes podem reagir de formas diferentes, dependendo do filtro histórico, cultural e étnico, pois cada cultura tem suas formas de marcar o luto, e a sua duração também difere grandemente de cultura para cultura. Também diferem a respeito de expressões públicas em oposição às privadas.Questionam ainda, a noção de que o luto “normal” possui duração de dois anos.
A questão da morte e seus estágios, possui uma complexidade ainda maior quando se trata da família, pois o enfrentamento desta dependerá da estrutura de cada um dos indivíduos e da relação entre que existe entre eles (Kovács,2002). O primeiro estágio descrito por Kubler-Ross, Negação e Isolamento, ocorre logo após ser dado o diagnóstico da doença, neste momento, é comum o estado de choque dos familiares.Deve-se considerar a qual sistema de relacionamento as pessoas pertencem, “aberto” ou “fechado”.No sistema fechado os familiares recebem as informações do médico que costumam ser distorcidas, aumentadas e reinterpretadas nas conversas em casa. Isto dependerá do sistema de crenças da família no seu curso multi-geracional e é influenciado de acordo como ela aprendeu a responder e vivenciar as notícias das doenças físicas, das mais simples às mais graves, como ela vivenciou as mortes reais de outros membros da família. A negação é um mecanismo que dá suporte a um falso equilíbrio até que se passe para o próximo estágio. O segundo, Raiva ou Revolta, ocorre quando a negação não é mais possível face as evidências concretas.Os sentimentos são expressos por perguntas como “Porque eu?, Porque para nós? Este momento pode gerar reações de hostilidade, requer habilidades especiais da equipe para acolher e compreender o estágio, além disso as próprias reações da equipe podem se tornar hostis face aos seus próprios sentimentos de impotência, que são vividos também pelos familiares. O terceiro estágio, é a Barganha e a Negociação, que são tentativas de acordos que adiem um desfecho, muitas vezes, inadiável com a equipe ou entre si.O objetivo é ganhar mais tempo de vida. As reações são distintas, dependendo se o paciente estiver, recebendo cuidados curativos ou se ele precisa enfrentar a transição para os cuidados paliativos.Existe possibilidade de sentimentos de culpa e de culpar a equipe médica. Embora 50% dos casos de câncer sejam curáveis se detectados precocemente e tratados adequadamente, o câncer é percebido como uma doença que leva invariavelmente à morte e acompanha dor e sofrimento intolerável. Os tratamentos são vivenciados como piores do que a própria doença e como uma sentença de morte. O quarto estágio é o da depressão, surge quando não há mais possibilidade de cura. O paciente entra em contato efetivo com suas perdas: família, corpo, finanças, lazer. Este momento é uma elaboração do luto das perdas já vividas.Constitui-se em uma fase muito difícil para o paciente e a família e o paciente tende ao isolamento, vivenciando o enlutamento de sua morte solitariamente. Sua vivência neste momento vai depender de sua história de vida e desenvolvimento. Se já havia problemas de comunicação entre a família e o paciente, estes podem se agravar nesta fase.Às vezes, são ocultados fatos como o diagnóstico da doença, o seu agravamento ou a possibilidade da morte. O paciente muitas vezes percebe, em seus familiares, mudanças de comportamento que tenta decifrar. O quinto estágio é a Aceitação, compreende um afastamento da depressão e do medo e um envolvimento com o processo de cura, ou a conscientização da possibilidade da morte.As pessoas pensam em como podem usar o tempo que lhes resta e passam a vivenciar o presente mais intensamente. Os estágios que o paciente passa podem ser os mesmos pelos quais a família passa, mas nem sempre são coincidentes, além de que suas necessidades são muito diferentes das do paciente. Podem surgir, sentimentos ambivalentes como culpa, impotência, raiva, tristeza e desejos de morte do paciente. A família deve realizar o desapego, processar a perda e tentar manter a integração familiar, redistribuindo as funções do membro doente com o paciente ainda vivo, fazendo a preparação para o luto antecipatório. Quando o processo é muito longo as famílias costumam ficar sem energia e precisam ser, ajudadas a manter seu equilíbrio.
A autora aponta que as famílias, diante de uma elaboração da perda antecipada, podem reagir de forma conflituosa e disfuncional, reproduzindo esse padrão nos demais diagnósticos de câncer na família. As dúvidas quanto à possibilidade de cura e quando ocorrerá à perda antecipada trazem grande impacto à família devido à fronteira ambígua entre a remissão e a cura reforçarem o medo da perda antecipada. Assim, uma remissão da doença destrói as esperanças de cura e retornam, ao cotidiano familiar, todos os receios da perda antecipada. É importante que a família possua a crença de controle da situação, mesmo que esta seja ilusória, para se manter ativa frente ao período de tratamento; e que seja realizado intervenções psico-educativas junto a essa família no intuito de diminuir os temores oriundos dos sintomas, permitindo normalizar as emoções relacionadas á perda ameaçada.
O contato da família com o membro adoentado traz a necessidade de compaixão e compreensão por parte da mesma, em virtude das pessoas se defrontarem com os seus próprios temores diante da doença e da morte e pelo paciente esperar compreensão diante das suas reações inesperadas ao tratamento, dor e alívio. Para isso é preciso ter uma comunicação aberta e honesta, respeitando os sentimentos familiares que venham a surgir, a equipe médica deve estimular a aceitação e a expressão desses sentimentos, e os do paciente. É importante que a família permita que o doente se responsabilize pela sua recuperação e desenvolva um desejo de viver como forma de enfrentamento da doença. A autora mostra que a decisão, por parte do paciente, de lutar para recuperar a saúde ou aceitar a morte leva tempo e que cabe a família esperar e respeitar a autonomia do paciente. Apesar da mesma expor que a família é uma grande aliada do tratamento e da equipe por ter papel fundamental no desenvolvimento da convicção do paciente quanto a eficácia do tratamento; e por ser essencial no reforçamento das expectativas de esperança do doente. A autora revela ainda que não haja nenhuma regra que imponha que os cuidados se restrinjam aos familiares mais próximos, sendo à entrada de novas pessoas no sistema familiar altamente saudável e benéfica para todos, por, dessa forma, conseguir satisfazer as necessidades do paciente e da família. Quanto mais a relação seja clara com uma comunicação aberta e honesta no curso da doença, maior será crescimento da família durante este período e menor será o desgaste de energia dos familiares, por não precisarem simular que tudo está bem, quando na realidade não está. Preservando, assim, a saúde física e mental dos mesmos.
A autora conclui que o aparecimento do câncer torna-se um divisor de existência tanto para o paciente como para a família, representando para eles um grande desafio. O modo como se dá o enfrentamento da doença, em todas as suas fases, destaca a importância da intervenção profissional num contexto sistêmico. Todos devem se preparar para as eventuais ressonâncias da doença e da morte.